terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Sem Mais Delongas #20: O gozo genuíno.

(ou como o sexo representa o humano na sua mais profunda natureza).


"Tudo no mundo está relacionado a sexo, exceto o próprio sexo, que está relacionado a poder." - Oscar Wilde


Em tempos em que o debate público foi tomado por um puritanismo tacanho (de todas as ordens) e a sexualidade é constantemente ameaçada, de todos os lados, a simples menção do sexo como algo despudorado, possessivo e visceral causa calafrios. De um lado bufam os puritanos em nome da beatitude virginal; do outro alardeiam os hipócritas metidos à desconstruídos que policiam qualquer espécie de "excesso" que consideram - arbitrariamente - violador.

Esquecem-se, talvez, de considerar um elemento importante que estimula o entrelace carnal entre dois indivíduos, que - para todos os fins - é o objetivo último de qualquer transa: o gozo. Arrisco-me aqui a soar utilitarista ou, até mesmo, hedonista, mas a imposição de comportamentos sexuais, expressos nas mais variadas ordens, por parte desses "policiais do sexo", é um completo descompromisso para com o exercício mais intrínseco da troca sexual entre dois indivíduos: a busca pelo prazer.

E não se trata aqui, em substância, de negar as diversas dimensões que englobam o ato sexual, reduzindo a questão apenas ao prazer per si ou mesmo colocando o prazer como o único objetivo do sexo, plastificando - consequentemente - toda a complexidade de elementos que giram em torno do ato sexual.

É óbvio que existem questões sociais, históricas e, principalmente, biológicas dentro da história da sexualidade. E, de tal forma, é claro que o ressentimento de nossa geração também decorre da perda de significado das relações sociais, nos mais diversos âmbitos (inclusive o sexual). O meu ponto, no entanto, é no que tange ao aspecto mais íntimo de como as pessoas interagem sexualmente.

A descoberta de diversos métodos contraceptivos; a descoberta do viagra; a facilidade de se conseguir o ato sexual impulsionado pela fragilidade das relações sociais: tudo isso impulsionou uma banalização do sexo, de forma que sublimou-se o prazer à um patamar sem precedentes, despindo todo o "foreplay" de seus elementos complexos e confusos e das responsabilidades que antes haviam de ser lidadas com relação ao ato sexual. Lembremos, afinal, da sensação de fragilidade que acomete à quem está transando: uma amostra de exposição; a nudez como reveladora das fraquezas individuais.

Isto posto, acaba-se por entender - embora continue sendo abjeto - esse levante em prol da defesa da castidade e da santidade. Com a desaparição de todo esse corpo de intrincamentos no que concerne ao campo das relações sexuais, toda uma massa de puritanos (um tanto hipócritas, se formos sinceros) brada em alto e bom tom sob a tutela dos "bons costumes".

Mas embora a crítica à perda de significado do sexo seja interessante - por mais que eu não concorde com ela -, em especial no tocante a criação de uma certa automação/plasticidade das relações sexuais, na sanha descontrolada pelo rompimento do "tabu" relacionado ao sexo, enxergo nela um caráter muito mais pessoal do que generalista. Apesar do cerne dessa crítica estar ligado ao fator de equilíbrio do seio social, a maneira como ela se manifesta não soa tão autoritária como o constante discurso dos humanistas falsários.

Sobre isto, é curioso como boa parte da mentalidade desses pudicos de meia tigela gira em torno de um fetichismo barato, no qual deve-se condenar essa ou aquela maneira de expressar-se sexualmente. De um lado, restringe-se o sexo apenas ao matrimônio; do outro, censura-se qualquer "excesso" - em especial ao que diz respeito a maneira com que o homem deve se portar - em uma transa.

A farsa da preservação dos interesses desorienta o que há de mais espontâneo nos desejos sexuais, de tal forma que o sexo tenha se transformado em uma expressão extremamente caricata e frígida dos desejos humanos; não é à toa que somos a geração mais ressentida que já passou pela história da humanidade.

A coibição de simples atitudes cotidianas do desejo sexual produzem consequências extremamente nocivas no consciente coletivo. Não é por acaso que, por exemplo, a seita do "empoderamento feminino" tenha castrado o homem de tal maneira que, mesmo atitudes banais, tais como xingar sua parceira na hora da transa, dar-lhe um puxão de cabelo ou mesmo um tapa um pouco mais acintoso, tenham se transformado em uma expressão degenerada e sintomática de um machismo atávico e inadmissível.

Da mesma forma para as mulheres que, na sanha descontrolada de uma imposição arbitrária de terceiros, veem-se impelidas a não agir dessa ou daquela forma, a fim de não legitimar essa relação de "submissão" perante o homem. E quão numerosos não são os chiliques revoltosos disfarçados de críticas sociais que atentam para o quão abjeto é uma mulher se sujeitar a fazer sexo oral num homem (pois a construção iconográfica dessa cena geralmente a coloca de joelhos - um sinal de sujeição, segundo tais "críticas") ou mesmo colocar-se "de quatro", pois isso sugere uma animalização (essa mesma posição em inglês chama-se "doggystyle") da mulher, tornando-a apenas um objeto de satisfação do prazer masculino!
"L'Origine du monde" (Gustave Courbet, 1886)
Toda essa histeria coletiva, reforçada sob a tutela de "crítica social/comportamental", não passa de um autoritarismo tacanho e vergonhoso. Não é da conta de ninguém a forma como dois indivíduos - na particularidade de suas vidas privadas - interagem sexualmente um com o outro. Ambos estando de comum acordo, que se satisfaçam da maneira mais intensa que puderem!

O "eunuco contemporâneo" narrado pela Camille Paglia (uma feminista, vejam só!) é decorrência de uma intensa suavização do comportamento masculino, para além de diversos outros fatores impulsionados pela covardia gerada pelo paradigma da previdência do mundo contemporâneo, em especial pela crescente (e não tomando isso como algo ruim, claro) produção material proporcionada pela sociedade de mercado.

Todo esse escopo de nuances faz com que, tanto homens como mulheres, fiquem confusos em meio a algo tão cotidiano como o sexo. É eliminado de suas mentes que, como bem disse Oscar Wilde, o sexo é sim uma relação de poder, incluindo-se neste uma pitada de desrespeito.

Da mesma forma que as relações afetivas, o sexo também é um nicho das relações humanas em que há um intenso conflito entre a liberdade e a dominação, no qual projeta-se no outro os desejos e anseios de satisfação sexual. Não há nada mais satisfatório do que presenciar que a outra pessoa está extasiada, de tal forma, que se encontra completamente entregue às suas ações.

O olhar safado; a sensação de submissão e dominação; o desejo descontrolado pela satisfação do outro; a tara proporcionada pelo toque. Tudo isso é condição inequívoca de expressão sexual, despida de julgamentos prévios e imposições morais externas. Toda a atmosfera de devassidão e sujeira que compõe o ato sexual é de uma natureza intrinsecamente deliciosa; e assim o é, justamente pelo prazer de possuir o objeto de seu desejo. Pois para além da submissão de um ao outro, a característica mais crucial do sexo é justamente a submissão de ambos ao tesão.

Tal processo de policiamento do sexo é tão sacal que, em substância, nichos comportamentais como o BDSM provocam escândalo quando ressaltados como possibilidade dentro do sexo. Um dos maiores lixos produzidos pela "indústria cultural" (alô, Adorno!) - leia-se "50 tons de cinza" - demonstra bem como esse processo acontece. Enquanto toda a produção "cultural/artística" (sic) de massa foi tomada por uma vulgarização sem precedentes (e boa parte destes desconstruídos hipócritas a defendem), a vida íntima de um casal é constantemente atacada sob a égide da defesa contra "excessos".

Todo esse escândalo causado pelo sexo possui um caráter totalmente histérico. Lembremos que, afinal, no pensamento freudiano, a histeria sempre esteve ligada à negação do gozo. A demonização do sexo, na contemporaneidade, não é diferente.

O sexo, mesmo na sua mais tradicional expressão, é a representação mais clara e verdadeira do instinto animalesco que se esconde sob os desejos humanos; a expressão mais objetiva das taras e dos prazeres que escondemos no nosso subconsciente. Apenas um lunático, em substância, condenaria um determinado comportamento sexual da vida íntima alheia. Afinal, alguém que está interessado em alcançar o gozo nem mesmo teria tempo de ficar lidando com tamanhas picuinhas...

"Suprima as taras e os vícios, elimine as preocupações carnais, e não reencontrará mais almas; pois o que chamamos com esse nome é apenas um produto de escândalos interiores, uma designação de vergonhas misteriosas, uma idealização da abjeção..." - Emil Cioran

5 comentários:

  1. Gostaria de lhe chamar para fazer parte da equipe do blog. Postando seus textos antigos (e até atuais) aqui publicados, podendo linkar para aqui. É uma forma de compartilhar muita coisa que eu li aqui e acho interessante, e claro, aproximar mais pessoas legais para o time. É só me responder por aqui, ou me mandar mensagem pelo hangout do g+. O espaço lá blog tá sempre aberto e plural.

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    1. Opa! Desculpe a demora, meu caro. Minha vida está muito agitada e não tenho entrado aqui com muita frequência. Só hoje vi seu comentário.

      Aceito seu convite, claro. Parece ser uma ótima oportunidade de ampliar um pouco os horizontes. Entre em contato comigo e conversamos melhor sobre o assunto.

      Grande abraço!

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    2. Tem algum e-mail ou perfil que eu possa te mandar mensagens?

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    3. Opa! Claro! Meu e-mail é feh_mj@hotmail.com.
      Se quiser mandar uma DM no twitter, minha conta é @odespudorado. Como preferir. Aguardo notícias. Abraço!

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    4. Nossa comunicação tá bem espaçada, mas aos poucos chegamos lá. Acabei de mandar um convite para o seu
      e-mail.

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