quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Área Cult #8: Vi (2013)

Capa do filme.

(um ensaio sobre amor, liberdade, manipulação e possessão)


Poucos filmes se aventuram a mostrar as complexidades que compõem as relações amorosas. O cinema romântico com sua fórmula catártica já obsoleta assumiu a cátedra do gênero, tornando praticamente impossível pensar as questões amorosas sob o jugo de alguma espécie de objetividade. As fantasiosas narrativas, que obstruem a reflexão sobre o amor como um conjunto de conexões particulares e indivisíveis que dois indivíduos compartilham, tornou o cinema romântico em uma caricatura tediosa. Felizmente, a obra em questão: "Vi", dirigida pelo iraniano Mani Maserrat-Agah, tem uma proposta muito diferente e instigante sobre como representar o amor nas telonas.

O filme narra a história de Ida e Krister, casal que rapidamente se conhece e apaixonam-se um pelo outro. Além deles, o longa também abre espaço para a aparição de uma terceira personagem, Linda, brilhantemente interpretada pela fantástica Rebecca Ferguson. Já apresentados os três personagens e, a partir da decisão de morarem juntos, o relacionamento de Ida e Krister começa a tomar um rumo de conhecimento mútuo, sempre com uma atmosfera de tensão imposta aos diálogos do filme.

Em uma narrativa exatamente oposta à proposta catártica, o diretor buscou retratar os relacionamentos tais como eles são (de forma esdrúxula, claro). Ou seja, representar as relações amorosas como uma senoide inconstante, em que a derrocada sempre está presente. Conforme as personagens começam a manifestar mais ostensivamente as suas personalidades - Ida, manipulável, insegura e ardilosa; Krister, manipulador, hipersensível e possessivo - as bases da relação entre os dois começam a ser estremecidas. Em dado momento, a nesga de sentimento presente nas cenas é tão ínfima que questiona-se qual a verdadeira intensidade do amor que eles sentem um pelo outro.

É nessa hora que Linda, amiga de Ida, surge no longa com maior assiduidade, como uma espécie de consciência externa de Ida. O vai-e-vem vivido por Ida durante todo o longa, cruzando momentos de entrega absoluta ao seu objeto de amor (Krister) com sérias considerações aos questionamentos levantados por Linda com relação ao seu relacionamento com o marido, é o ponto auge (e central) do filme. Uma espécie de ode à inconstância e à aceitação de que tanto amor como as relações amorosas são um infindável choque de particularidades de um drama contínuo, "dividido por uma experiência cinegética de uma empatia simbiótica"¹.
Pois, para todos os fins, não existe fórmula ou descrição perfeita do que é o amor. O amor não existe em si, pois caso ele exista, há-de existir ad aeternum, sob todas as hipóteses. A união de Ida e Krister mostra bem isso e como tudo é incompreensível, pois as sensações que alimentam cada um são indivisíveis, pessoais e dicotômicas. Por isso os indivíduos cedem e se fundem nesse processo, ou acabam produzindo concepções distintas sobre como deve funcionar o amor, embora não tenham controle sobre isso. Talvez, assim como Ida e Krister, o amor nos seja impelido dessa maneira: como uma incessante disputa entre a liberdade e a dependência.
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Notas explicativas:
¹Trecho extraído da canção "If I didn't have you", do cantor e comediante australiano Tim Minchin.

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