domingo, 29 de março de 2015

Transgressividade #4: Martyrs (2008)

Capa de Martyrs
Não é de hoje que o cinema francês tem agraciado os cinéfilos com filmes de horror inovadores e com alta qualidade. E pra justificar essa afirmação, eu resolvi escrever umas poucas palavras sobre Martyrs.

Martyrs pertence ao New French Extremism, movimento cujo termo foi cunhado pelo crítico canadense James Quandt, para descrever as produções de horror extremo que começaram a surgir no país do escargot na virada do século.

Dirigido por Pascal Laugier, Martyrs conta a história de Lucie. Uma jovem que consegue fugir do cativeiro onde sofria abusos e torturas na infância. Quinze anos depois, ela acredita ter descoberto o paradeiro dos responsáveis pelas torturas que esta sofreu e resolve ir atrás deles.

Nessa jornada em busca por vingança, ela conta com a ajuda de sua amiga Anna, que lhe ajudou enquanto ambas viviam num hospital.

Morte do pai, que Lucie acredita ser um dos
responsáveis pelos momentos que viveu.
Tendo encontrado os responsáveis pelos abusos que sofreu, Lucie assassina o pai, a mãe, e até mesmo os filhos do casal. Porém, o motivo da morte dessas pessoas não é somente a vingança de Lucie, mas também para que o "monstro" que assombra Lucie vá embora. Com o desenrolar do filme, podemos perceber que esse "monstro" nada mais é que uma outra vítima que Lucie deixou para trás no cativeiro no momento em que conseguiu escapar.

Pouco tempo depois, Anna vem de encontro a Lucie. Porém, Anna nunca acreditou totalmente na história de Lucie, acreditando que algo ali pudesse ser algum tipo de alucinação da mente de sua amiga. E é nesse momento que as garotas entram em conflito. Após esse acontecimento, Lucie começa a se mutilar, imaginando que o "monstro" fosse o causador daquilo. Até que Lucie morre.

Atordoada com a morte da amiga, Anna liga para sua mãe, com quem não fala há tempos. Porém, no meio da ligação, Anna começa a ouvir sons e resolve averiguar o que é aquilo. Vagando pela casa, Anna encontra o tal monstro de quem Lucie tanto falava e resolve ajudá-la. Ajuda a limpá-la, a secar os ferimentos e tirar os dispositivos presos em seu corpo.

Retirando o dispositivo.
Retirando as presas.
Após a retirada do dispositivo, a mulher a deixa para ver o corpo de Lucie. Porém, poucos momentos após Anna ter saído, o "monstro" dá um surto e quando Anna vê, o "monstro" está se cortando.

Pouco tempo se passa depois desse fato, até que um grupo de pessoas adentra ao recinto e acertam um tiro no monstro. Anna é aprisionada e o enredo começa a ser explicado. Como se a partir desse ponto que a história começasse a fazer sentido. A junção das peças. Durante o discorrer da cena onde Anna é interrogada por uma mulher alcunhada de mademoiselle, o seguinte diálogo surge (imagem):

Esse diálogo dá a introdução ao significado que o título do filme expressa.
Após o curioso diálogo, a mademoiselle começa a mostrar fotos de pessoas que estavam prestes a morrer. Fotos estas tiradas momentos antes da morte dessas pessoas. Em todas as fotos um elemento curioso é perceptível: o olhar fixo e vago das pessoas, como se estivessem em outra dimensão.

É aqui que o intuito de mademoiselle se torna notório. O estado "alucinógeno" das pessoas nas fotos representam a ligação com o "além-vida". A experiência vivida por Lucie não era mais nada, além de um experimento para que mademoiselle descubra o que ocorre no "além-vida", e agora, a nova peça desse experimento é Anna.

Agora Anna consegue entender todo o ódio de Lucie, pois daí em diante Anna passa por diversos acontecimentos, que só chegam ao fim quando ela está totalmente entregue. O último passo é realizado, a pele dela é arrancada e... ela entra "em transe".

Rapidamente, mademoiselle é contatada e informada sobre o estado de Anna. Ela vai ao recinto onde as barbáries ocorrem e vai ao encontro de Anna, que lhe conta (sussurrando em seu ouvido) tudo o que vivenciou no "além-vida".

Após esse acontecimento, uma cerimônia é marcada com todos os integrantes da seita, para que mademoiselle possa revelar a todos a descoberta que lhe foi feita. Porém, antes mesmo que a descoberta seja revelada, a própria madeimoselle pega um revólver e comete suicídio. O diálogo final é feito entre Etienne e a própria madeimoselle.

Ela pergunta: "você poderia imaginar o que vem depois da morte?, e ele responde: "Não, mademoiselle, eu...", e ela finaliza: "Continue na dúvida, Etienne", e dá um tiro na sua própria boca.

Apesar do filme praticamente terminar aqui, ainda dá tempo de surgir uma imagem preta com os seguintes dizeres: "Mártir: nome, adjetivo. Do grego: "marturos". Testemunha". E após isso a imagem do corpo de Anna sem pele surge por alguns segundos, até que os créditos se iniciem e o filme termine de vez.

Com atuações fantásticas e intensas, Martyrs marca uma mistura de referências de estilos cinematográficos com a metafísica. A exposição do fanatismo religioso tentando alcançar explicações, custe o que custar. A exploração do elemento "além-vida", "pós-morte", ou outra alcunha qualquer.

Martyrs não só traz à tona o "problema" da "vida pós-morte", como alimenta a nossa curiosidade com relação aos acontecimentos finais, quando as duas únicas pessoas que sabiam a resposta morrem. Um filme duro, real e reflexivo, Martyrs é uma linda representação da crueldade humana aliada ao fanatismo religioso. E você: quer ser um Mártir?

Um comentário:

  1. Excelente resenha. Os gifs ficaram ótimos, foi um diferencial. Deve ter colocado mais.

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